Benefício clínico em debate

Beneficio Clinico NET OKArtigo publicado no Lancet Oncology1 destaca que menos da metade dos estudos clínicos randomizados que apoiam a aprovação de medicamentos contra o câncer pela agência norte-americana Food and Drug Administration (FDA) atingem o limiar de benefício clínico definido pela Sociedade Europeia de Oncologia Médica e não cumprem os critérios da escala de Magnitude de Benefícios Clínicos (ESMO-MCBS). O oncologista Carlos Barrios, diretor-executivo do Latin American Cooperative Oncology Group (LACOG), analisa as publicações e comenta caminhos para avançar na definição de benefício clínico na pesquisa em câncer.  

 

Em um novo estudo2, Ariadna Tibau (Universidade Autônoma de Barcelona, Espanha) e colegas avaliaram as indicações enviadas para aprovação da FDA entre janeiro de 2006 e dezembro de 2016. As indicações foram analisadas pela escala da Sociedade Europeia de Oncologia Médica que avalia a magnitude do benefício clínico (ESMO-MCBS).

No período, 63 medicamentos anticâncer foram enviados ao FDA para 118 indicações diferentes. Dos 135 estudos que apoiaram os pedidos de aprovação, 105 foram

estudos clínicos randomizados. Na análise de Tibau e colegas, apenas 46 desses estudos (43,8%) atingiram o benefício clínico da ESMO.

O benefício clínico foi mais frequentemente alcançado em estudos de fase 3 do que em ensaios de fase 2 (odds ratio 38,45 [95% CI 3 · 27-452 · 00], p = 0, 004), em estudos que definiram sobrevida global como endpoint primário versus aqueles com surrogates alternativos (8,28 [2 · 49-27 · 50], p = 0 · 001), e em estudos de medicamentos direcionados a diagnósticos versus aqueles sem diagnóstico (11, 62 [2 · 95-45 · 78], p <0 · 001).

“A comunidade de oncologia deve continuar a exigir padrões elevados para ensaios clínicos de câncer e priorizar terapias com resultados clinicamente significativos”, concluem os autores.

Referências

1 - Das, M. Many FDA-approved cancer drugs might lack clinical benefit - Lancet Oncology [21 Dec 2017].DOI: http://dx.doi.org/10.1016/S1470-2045(17)30954-3

2 - A Tibau et al. Journal of the National Cancer Institute, 2018, Vol. 110, No. 5. doi: 10.1093/jnci/djx232

Estudo de vida real: o benefício na prática clínica


Carlos E. Barrios, diretor-executivo do Latin American Cooperative Oncology Group (LACOG), analisa as publicações e comenta caminhos para avançar na definição de benefício clínico na pesquisa em câncer.

Em muitas ocasiões, é difícil traduzir os benefícios de uma pesquisa clínica, por vários motivos. Em primeiro lugar, é importante reconhecer que na maior parte das situações em oncologia nossos avanços têm sido incrementais, isto é, pequenos benefícios que progressivamente se acumulam e melhoram os resultados de uma situação em particular.  ESMO e ASCO, exercendo sua liderança no nosso meio, têm proposto alguns critérios na tentativa de dar um valor mais definitivo ao que pode ser chamado de “benefício”, ou aquilo que podemos ou devemos considerar como “clinicamente significativo”.

Embora preliminar e, certamente, passível de críticas e sujeita a futuras modificações, a iniciativa é positiva e poderá ter impacto em vários aspectos da introdução de novos medicamentos: a) seleção de desfechos em estudos clínicos, b) critérios regulatórios de aprovação, e não menos importante, c) aceitação pela comunidade oncológica de um novo tratamento.

Os estudos publicados são provocadores e indicam claramente que necessitamos melhorar nossos critérios em aceitar o que realmente representa “benefício” para nossos pacientes.  Um desenvolvimento recente e cada vez mais considerado na sua importância é o chamado “Estudo de Vida Real” ou Real World Data que, na minha opinião, tem impacto fundamental na tradução dos resultados de um estudo clínico para a prática clínica comunitária. Esta é uma informação crítica para atribuir um valor final ao resultado de um estudo randomizado de fase III ou a uma aprovação regulatória, indicando o que acontece com a aplicação de um medicamento na nossa prática diária, com a nossa população.

Devemos considerar que os resultados de um estudo randomizado, controlado, duplo cego, etc. não se aplicam exatamente à prática diária. Em última análise, conhecer o que acontece com nossos pacientes fora do ambiente de um estudo clínico é a informação mais importante para avaliar o real impacto da introdução de um novo tratamento. Manifestações recentes do FDA apontam para a importância cada vez maior valor de dados como esses na avaliação de novas drogas.