Radioterapia hipofracionada das drenagens linfáticas em câncer de mama

Robson Ferrigno NET OK 2Estudo chinês publicado no Lancet Oncology mostrou não inferioridade no tratamento de mulheres com câncer de mama localmente avançado com radioterapia hipofracionada do plastrão e das drenagens linfáticas em comparação com fracionamento convencional. O rádio-oncologista Robson Ferrigno (foto), coordenador dos Serviços de Radioterapia da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, comenta o estudo.

Por Robson Ferrigno

Empregar a radioterapia hipofracionada (maior dose por dia e menos dias de tratamento) após tratamento do câncer de mama traz vantagens logísticas, conforto para as pacientes e menor custo. Alguns estudos randomizados mostraram que a efetividade e a toxicidade em liberar doses de radiação em 15 ou 16 dias úteis foram semelhantes aos fracionamentos convencionais de 25 a 28 dias úteis. Os dois principais estudos publicados com no mínimo 10 anos de seguimento, utilizados para estádios iniciais, foram o canadense (1) e o inglês START B (2) que empregaram dose de 42,5 Gy em 16 frações e 40 Gy em 15 frações em toda a mama, respectivamente. Esses dois fracionamentos têm sido os regimes de escolha pela maioria das instituições no mundo, inclusive no Brasil.

O guia prático da Sociedade Americana de Radioterapia (ASTRO) recomenda a radioterapia hipofracionada para pacientes com câncer de mama de qualquer idade e qualquer estádio clínico desde que não necessite irradiar as drenagens linfáticas (3). A irradiação das drenagens linfáticas com regime hipofracionado ainda não está bem estabelecida por falta de estudos que avaliem a segurança dessa estratégia. A principal preocupação é com a possibilidade de plexopatia pela entrega de dose na região supraclavicular, complicação que prejudica muito a qualidade de vida das pacientes.

O estudo chinês publicado no periódico Lancet Oncology (4) é o primeiro estudo prospectivo e randomizado que comparou radioterapia de fracionamento convencional (25 x 2 Gy) com hipofracionamento (15 x 2,9 Gy) em câncer de mama localmente avançado após mastectomia e esvaziamento axilar. Os critérios de inclusão foram tumores estádios T3-4 ou quatro ou mais linfonodos comprometidos. Foram randomizadas 820 pacientes de uma única instituição chinesa e, com seguimento mediano de 58,5 meses, o controle loco-regional em cinco anos foi semelhante nos dois grupos (91,6% com radioterapia hipofracionada e 91,9% com fracionamento convencional; p<0,0001 para não inferioridade). Não houve diferença na toxicidade aguda ou tardia, exceto radiodermite grau 3 pouco menor entre as pacientes tratadas com radioterapia hipofracionada (3% Vs 8%; p<0,0001). Nenhuma paciente desenvolveu plexopatia.

O dado de ausência de plexopatia é muito importante, mas esse achado deve ser interpretado com cautela. Todas pacientes receberam radioterapia com técnica convencional em duas dimensões (2D), cuja distribuição de dose não é tão segura como nos planejamentos tridimensionais (3D) realizados com tomografia. Essa técnica pode ter sub dosada a região das drenagens linfáticas da fossa supraclavicular e, consequentemente, do plexo braquial. Estudos com técnicas mais modernas, como a de intensidade modulada (IMRT), que entrega doses de radiação com mais precisão, devem ser realizados para confirmação da segurança da radioterapia hipofracionada para tratamento das drenagens linfáticas em câncer de mama.

Esse estudo foi previamente apresentado no congresso da ASTRO em 2017, em San Diego e, na ocasião, o painel de discussão concluiu que ainda não era seguro indicar a radioterapia hipofracionada para tratamento das drenagens linfáticas de rotina, porém, era importante estimular novos ensaios clínicos randomizados sobre o tema. O guia prático da ASTRO ainda recomenda utilizar a radioterapia hipofracionada em drenagens linfáticas apenas para pacientes inseridas em estudos clínicos.

Por outro lado, o estudo chinês é um importante gerador de hipótese e aponta para um futuro promissor no sentido de realizar radioterapia hipofracionada para todas as pacientes com câncer de mama que necessitem de radioterapia adjuvante. Isso é particularmente importante para o cenário brasileiro, onde o déficit de equipamentos, principalmente no âmbito dos SUS, ainda é muito grande. Ao se aplicar a radioterapia hipofracionada, mais pacientes podem ser tratados em espaço de tempo menor.

Referências:

  • Whelan TJ, et al. Long-Term Results of Hypofractionated Radiation Therapy for Breast Cancer. N Engl J Med 2010.
  • Haviland JS, et al. The UK Standardisation of Breast Radiotherapy (START) trials of radiotherapy hypofractionation for treatment of early breast cancer: 10-year follow-up results of two randomised controlled trials. Lancet 2013.
  • Smith BD, et al. Radiation therapy for the whole breast: Executive summary of an American Society for Radiation Oncology (ASTRO) evidence-based guideline. Practical Radiation Oncology 2018.
  • Wang SL, et al. Hypofractionated versus conventional fractionated postmastectomy radiotherapy for patients with high-risk breast cancer: a randomized, non-inferiority, open-label, phase 3 trial. Lancet Oncology 2019.