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AtualizadoQui, 28 Mar 2024 7pm

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Anticoagulantes orais na profilaxia do tromboembolismo venoso

ARIANE SABCS18 NET OKA cardiologista Ariane Vieira Scarlatelli Macedo (foto), médica do Centro Paulista de Oncologia/Grupo Oncoclínicas e vice-presidente do Grupo de Estudos de Cardio-Oncologia da Sociedade Brasileira de Cardiologia, discute dois estudos que abordam o uso dos anticoagulantes orais diretos na profilaxia do tromboembolismo venoso no paciente oncológico ambulatorial.

A identificação dos pacientes ambulatoriais com câncer que apresentam alto risco de tromboembolismo venoso (TEV) tem sido objeto de vários estudos na última década.1 Este interesse se tornou ainda mais evidente quando estudos focados na identificação destes pacientes de alto risco para TEV, simplesmente com base no local do câncer, não relataram altas taxas de TEV para alterar a prática clínica.2 Há uma série de escores de estratificação de risco desenvolvidos para tentar identificar pacientes com risco significativamente maior. O mais validado e prático é o escore de Khorana3, um modelo que prevê risco de trombose baseado em uma coleção de variáveis clínicas e laboratoriais, tipo de câncer, IMC [índice de massa corporal] e hemograma completo (plaquetária, leucócitos, hemoglobina).

Pacientes com risco muito alto (aqueles com escores de Khorana ≥ 3) seriam os mais propensos a se beneficiar da profilaxia. Assim, os estudos atuais estão adotando uma abordagem estratificada de risco para encontrar pacientes de alto risco e aplicar a profilaxia. Uma metanálise recente de vários estudos randomizados avaliou a eficácia e a segurança do uso da heparina de baixo peso molecular (HBPM) entre pacientes com um escore de alto risco4. Entre os pacientes de alto risco, a HBPM diminuiu a chance de TEV em comparação com o placebo ou a observação (OR 0,36; 95% IC, 0,22-0,58). No geral, esses dados publicados fornecem suporte para a profilaxia ambulatorial em pacientes com pontuação igual ou superior a 3.

Dois estudos já finalizados e apresentados em dezembro de 2018 buscaram expandir a indicação de tromboprofilaxia ambulatorial, concentrando-se em pacientes com pontuação no escore de Khorana igual ou superior a 2 e com uso de anticoagulantes diretos (DOAC), rivaroxabana e apixabana.

Estudo CASSINI

Os resultados do estudo CASSINI (Rivaroxaban Thromboprophylaxis in High-Risk Ambulatory Cancer Patients Receiving Systemic Therapy) foram apresentadas pelo professor Alok Khorana na Reunião da American Society of Hematology (ASH) de 20185. O estudo comparou as taxas de eventos trombóticos em pacientes oncológicos ambulatoriais randomizados para receber placebo ou o anticoagulante oral inibidor direto do fator X rivaroxabana.

O desfecho primário de eficácia foi um composto de trombose venosa profunda proximal (TVP) sintomática ou assintomática de extremidade inferior confirmada objetivamente, trombose venosa profunda sintomática dos membros superiores ou inferiores, embolia pulmonar sintomática ou incidental e tromboembolismo venoso (TEV) e morte relacionada. O desfecho principal de segurança foi ocorrência de sangramento maior definido pelo critério ISTH (Sociedade Internacional de Trombose e Hemostasia).

O estudo envolveu 1.080 pacientes adultos iniciando um novo tratamento sistêmico contra o câncer, tipicamente quimioterapia. Todos os participantes apresentavam um risco aumentado de tromboembolismo venoso indicado por uma pontuação de 2 ou superior na escala de risco de Khorana. Os pacientes realizaram ultrassonografia para excluir a presença de trombose venosa profunda (TVP), e se não houvesse TVP eram randomizados 1:1 para rivaroxabana 10 mg uma vez ao dia ou placebo até o dia 180.

Dos 1.080 pacientes que forneceram o consentimento, 49 (4,53%) apresentaram TVP na triagem basal e outros 190 falharam devido a outras razões. Dos 841 pacientes randomizados, 274 (32,6%) tinham câncer pancreático; 698 (83%) eram brancos e 428 (50,9%) eram do sexo masculino. Todos os pacientes foram submetidos a uma ultrassonografia de membros inferiores a cada oito semanas para detectar TVP assintomática.

O desfecho primário de eficácia ocorreu em 25 de 420 pacientes (5,95%) e 37 de 421 pacientes (8,79%) (hazard ratio [HR] = 0,66; intervalo de confiança de 95% IC = 0,40-1,09; P =0,101) nos grupos rivaroxaban e placebo (número necessário para tratar (NNT) = 35), respectivamente, no período de observação de 180 dias.

O estudo não encontrou significância estatística para o período de análise primária de 180 dias, principalmente porque uma grande proporção de pacientes parou de tomar o medicamento (ou placebo) antes de 180 dias. Mais da metade daqueles designados para placebo e quase 44% daqueles designados para tomar rivaroxabana interromperam o uso antes de 180 dias, e mais de um terço dos eventos de trombose ocorreram após os participantes terem descontinuado o tratamento.

Em uma análise pré-especificada de todos os pacientes randomizados durante o período em que os pacientes estavam efetivamente tomando rivaroxabana ou placebo, o desfecho primário ocorreu em 11 de 420 pacientes (2,62%) e 27 de 421 (6,41%) nos grupos rivaroxaban e placebo, respectivamente (HR 0,40, 95% IC 0,20 a 0,80, p = 0,007) (NNT = 26).

Sangramento maior ocorreu em 1,98% no grupo rivaroxabana e em 0,99% dos pacientes no grupo placebo (HR= 1,96; IC 95%, 0,59 a 6,49; p = 0,265), sendo o número necessário para causar dano (NNH = 101). Sangramento não maior, mas clinicamente relevante, ocorreu em 2,72% e 1,98% dos grupos rivaroxabana e placebo, respectivamente (HR, 1,34; IC 95%, 0,54 a 3,32; p = 0,53) (NNH = 135).

Em uma análise pré-especificada de desfecho secundário de eficácia, os pesquisadores avaliaram um desfecho composto que englobou o desfecho primário com adição de eventos tromboembólicos arteriais e viscerais no período de observação (180 dias). Houve significativamente menos eventos no grupo rivaroxabana versus placebo (6,90% versus 10,70%, respectivamente; HR, 0,62; IC 95%: 0,39, 0,99; p = 0,04). Mortalidade por todas as causas ocorreu em 20% dos pacientes no grupo rivaroxaban e 23,8% no grupo placebo (HR = 0,83, IC 95% 0,62, 1,11, p = 0,213). Ao se avaliar um composto pré-especificado de desfecho primário com mortalidade por todas as causas observou-se um benefício do uso de DOAC, sendo que o evento ocorreu em 23,1% dos pacientes no grupo rivaroxaban e 29,5% no grupo placebo (HR 0,75; IC 95% 0,57 a 0,97; p = 0,03).

Assim, os pesquisadores concluíram que a rivaroxabana reduziu significativamente a mortalidade relacionada a TEV e TEV durante o período de tratamento, mas não durante todo o período do estudo; mais de um terço dos eventos de TEV ocorreram após a descontinuação do medicamento. A incidência de hemorragia grave foi baixa.

Apesar da redução no tromboembolismo venoso não ter sido estatisticamente significativa durante o período de análise primária, a droga foi claramente eficaz na redução das taxas de tromboembolismo venoso no tratamento. O sangramento foi mais comum entre aqueles que receberam anticoagulante, mas as taxas de complicações hemorrágicas foram semelhantes aos de outros estudos de anticoagulantes orais diretos e inferiores aos comumente observados com a heparina.

Estudo AVERT

Publicado no New England Journal of Medicine, o estudo AVERT (Apixaban to Prevent Venous Thromboembolism in Patients with Cancer)6 comparou o efeito do apixaban , inibidor oral do fator Xa, versus placebo entre pacientes oncológicos ambulatoriais de risco intermediário a alto pelo escore de khorana para TEV, na redução do risco de tromboembolismo venoso.

Neste estudo duplo-cego, randomizado, de fase III, 574 pacientes ambulatoriais que estavam em risco intermediário a alto para tromboembolismo venoso (escore de Khorana ≥ 2) e estavam iniciando a quimioterapia foram recrutados em 13 locais no Canadá. Eles foram distribuídos aleatoriamente para receber apixabana 2,5 mg duas vezes ao dia (n = 291) ou placebo (n = 283) por 180 dias. A primeira dose de apixaban ou placebo foi administrada dentro de 24 horas após o início da quimioterapia. Os resultados foram avaliados por intenção de tratar.

O resultado primário da eficácia foi o tromboembolismo venoso documentado objetivamente ao longo de 180 dias. O principal desfecho de segurança foi episódio de sangramento maior definido pelos critérios da ISTH. Os pacientes foram acompanhados por até 210 dias ou morte, independentemente da duração do tratamento.

A média de idade dos pacientes foi de 61 anos e a maioria dos pacientes (58,2%) era do sexo feminino. Os tipos mais comuns de câncer primário foram ginecológicos (25,8%), linfoma (25,3%) e pancreático (13,6%). Um total de 131 pacientes (22,8%) estavam em uso de terapia antiplaquetária ou antiinflamatória não-esteroidal. O número de pacientes com tumores sólidos com doença metastática foi 73 no grupo apixaban e 67 no grupo placebo. Para os grupos apixabana vs placebo, os escores de Khorana foram 2 em 64% vs 67%, 3 em 27% vs 24%, 4 em 9% vs 9% e 5 em <1% em ambos. A taxa de adesão a terapia prescrita ( apixabana ou placebo) foi alta no estudo em ambos os grupos( 83,6% no grupo apixaban e 84,1% no grupo placebo estavam em uso da medicação ao final de 180 dias).

O desfecho primário de Tromboembolismo venoso ocorreu em 12 (4,2%) de 288 pacientes no grupo apixaban vs 28 (10,2%) de 275 pacientes no grupo placebo (hazard ratio [HR] = 0,41, IC 95%: 0.26 to 0.65; P<0.001, NNT= 17. O NNT de 17 para prevenir um TEV foi impulsionado predominantemente por uma menor taxa de embolia pulmonar no grupo apixabana.

Sangramento importante ocorreu em 10 pacientes (3,5%) no grupo apixabana vs 5 pacientes (1,8%) no grupo placebo (HR = 2,00, P = 0,046) com NNH = 59. Ao avaliarmos as taxas de sangramento durante o período de tratamento observamos que as taxas foram semelhantes (2,1% vs 1,1%, HR 1,89, IC 95% 0,39-9,24) com um NNT de 100. Nenhum sangramento fatal ou sangramento em órgãos críticos foi visto. O sangramento maior ocorreu principalmente em pacientes que entraram no estudo com câncer gastrointestinal ou ginecológico. Em relação ao desfecho de sobrevida, o estudo não mostrou diferença significativa entre os grupos na sobrevida global HR =1,29 IC 0,98-1,71). É possível que a presença de pacientes com câncer avançado na amostra do estudo (que foi a causa mais comum de morte) tenha contribuído para este achado.

Os investigadores concluíram que a terapia com apixabana resultou em uma taxa significativamente menor de tromboembolismo venoso do que o placebo entre pacientes ambulatoriais de risco intermediário a alto com câncer que estavam iniciando a quimioterapia. A taxa de episódios de sangramento maior foi maior com apixabana do que com placebo.

Avaliando o conjunto dos dados destes dois estudos, abrem-se novas evidências que suportam a importâcia da correta estratificação do risco de TEV em pacientes oncológicos ambulatoriais sendo o critério de Khorana uma ferramenta útil para identificação. Os anticoagulantes orais diretos se tornam uma opção para profilaxia de TEV nestes pacientes sendo essencial uma abordagem individualizada em que o risco individual de sangramento seja avaliado e os riscos benefícios considerados.

Esses dados permitirão que médicos selecionem adequadamente os pacientes para tromboprofilaxia direcionada, com o objetivo importante de reduzir a ocorrência e as consequências do TEV para pacientes com câncer.

Referências:

1 - van Es N, Di Nisio M, Cesarman G, et al. Comparison of risk prediction scores for venous thromboembolism in cancer patients: a prospective cohort study. Haematologica 2017;102:1494-501 

2 - Otten HM, Mathijssen J, ten Cate H, et al. Symptomatic venous thromboembolism in cancer patients treated with chemotherapy: an underestimated phenomenon. Arch Intern Med 2004;164:190-4. 

3 - Khorana AA, Kuderer NM, Culakova E, Lyman GH, Francis CW. Development and validation of a predictive model for chemotherapy-associated thrombosis. Blood 2008;111:4902- 

4 - Van Es N, Ventresca M, Zhou Q, Noble S, Crowther M, Di Nisio M, etal. The Khorana Score for the Prediction of Venous Thromboembolism in Patients with Solid Cancer: An Individual Patient Data Meta-Analysis. Blood. 2017;627 

5 - Khorana, Alok A., et al. "Rivaroxaban Thromboprophylaxis in High-Risk Ambulatory Cancer Patients Receiving Systemic Therapy: Results of a Randomized Clinical Trial (CASSINI)." (2018): LBA-1 

6 - Carrier M, Abou-Nassar K, Mallick R, Tagalakis V, Shivakumar S, Schattner A, Kuruvilla P, Hill D, Spadafora S, Marquis K, Trinkaus M. Apixaban to Prevent Venous Thromboembolism in Patients with Cancer. The New England journal of medicine. 2018 Dec 4.

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