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AtualizadoQui, 28 Mar 2024 7pm

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Daichii Sankyo

 

Farmacovigilância: desafios para a implementação

FARMACOVIGILANCIA NET OKLimitações importantes ainda afetam os sistemas de farmacovigilância, entre elas a subnotificação e a baixa qualidade das notificações enviadas pelos profissionais da saúde e indústria farmacêutica, por falhas no preenchimento. Adalton Ribeiro, do Centro de Vigilância Sanitária do Estado de São Paulo, é o primeiro autor de estudo brasileiro que discute a realidade atual e perspectivas da farmacovigilância."Temos um desafio enorme com a entrada dos biossimilares e a farmacovigilância será uma ferramenta fundamental para monitorar a qualidade", alerta.

Falha nas notificações afeta farmacovigilância

Por Adalton Ribeiro et al*

Conhecer rapidamente o perfil de segurança de novos medicamentos é o principal objetivo da farmacovigilância, atividade que engloba os processos relacionados à detecção, avaliação, compreensão e prevenção de reações adversas ou qualquer outro problema relacionado a medicamentos, inclusive reações graves ou desconhecidas (não encontradas durante o estudo clínico), especialmente aquelas relacionadas a agentes recentemente trazidos ao mercado1.

Mais de 60 anos depois do desastre da talidomida, novos surtos de reações adversas a medicamentos (ADR, da sigla em inglês) dimensionam a necessidade da vigilância contínua. A toxicidade cardiovascular do antiinflamatório Rofecoxib2, com milhares de pessoas afetadas até 2004, foi apenas mais um lembrete da importância de melhorar os sistemas de farmacovigilância e estimular a implementação de metodologias inovadoras e eficientes.

Regulações internacionais obrigam fabricantes e profissionais da saúde a notificar qualquer suspeita de ADR aos centros de farmacovigilância. Sob controle da OMS e do Programa de Monitoramento Internacional de Drogas em Uppsala, Suécia, o modelo de farmacovigilância tem como objetivo principal gerar globalmente sinais de alerta e segurança. No entanto, limitações importantes impedem a implementação deste método em todo o mundo, a começar da subnotificação3 e da baixa qualidade do preenchimento das notificações enviadas4.

Para os processos de farmacovigilância, uma série de variáveis das notificações recebidas são analisadas na intenção de estabelecer uma relação causal entre o uso de medicamentos e o início dos eventos adversos suspeitos descritos. O sistema espanhol de farmacovigilância e o Centro de Vigilância Sanitária do Estado de São Paulo  (CVS) adotam uma versão modificada dos algoritmos de causalidade aceitos (Naranjo, Karch e Lasagna)5, empregando uma metodologia na qual o preenchimento e a qualidade das notificações assumem papel decisivo para identificar qualquer relação causal6.

Estudo realizado na Catalunha, Espanha, a partir das notificações de 2014, identificou que em mais de um terço dos relatórios dos fabricantes a falta de informação foi fator limitante para avaliar qualquer relação causal7.

No Brasil, o Centro de Farmacovigilância de São Paulo observou repetidamente a má qualidade das notificações recebidas, apontando que falhas no preenchimento de campos obrigatórios comprometem a avaliação adequada. Estudo projetado para medir a qualidade do preenchimento das notificações de suspeita de reações adversas buscou identificar elementos para subsidiar estratégias capazes de reverter o problema e melhorar o cenário da farmacovigilância no Brasil.

O estudo incluiu 999 notificações de suspeita de ADR recebidos pelo CVS em 2013 (527; 52,8%) e 2014 (472; 47,2%). As notificações foram enviadas pela indústria farmacêutica (IF = 820; 82,1%) e por centros de assistência (HC =179; 17,9%).

Resultados

Somente em 44 notificações (4,4% da amostra do estudo) todos os campos do formulário estavam completamente preenchidos. Em todo o restante da amostra (96,6%) havia uma ou mais variáveis incompletas. Em relação às "variáveis críticas", apenas 6,8% das 999 notificações (n = 68) foram completamente preenchidos.

O campo mais preenchido foi "sexo" (931 notificações; 93,2%) e o menos preenchido foi "doenças concomitantes" (409 notificações; 40,9%).

A frequência de não-preenchimento também variou de acordo com a origem do relatório (IF ou HC). Quase metade das 820 notificações enviadas pela indústria farmacêutica não incluiu a data de início da suspeita de reação adversa (407; 49,6%), enquanto essa informação faltou apenas em 8 das 179 notificações enviados pelo HC (4,5%). No entanto, houve diferenças na hora de reportar "informações suficientes", que constaram de 29,9% dos ADR suspeitos enviados pela IF (n = 245) e somente em 12,3% dos enviados pelo HC (n = 22).

É interessante ressaltar que 17% da amostra estudada (n = 170) eram notificações "suplementares" enviadas pela IFI. Quase metade delas (49,1%) não adicionou nenhuma informação e mais da metade (54,7%) demorou mais de 30 dias para o envio. Um total de 40 relatórios (23,5% de todas as notificações complementares) foram recebidos mais de 90 dias após o envio da notificação inicial.

Em resumo, cerca de 30% de todos as notificações enviadas pela indústria farmacêutica com suspeitas de reações adversas não puderam ser avaliadas, mesmo depois que os relatórios suplementares foram enviados. A má qualidade do preenchimento dos formulários traz uma limitação importante para o sistema de farmacovigilância, que não consegue identificar requisitos mínimos para as análises.

A conclusão do estudo aponta para a adoção de medidas urgentes para melhorar a qualidade das notificações de reações adversas. A elevada proporção de notificações que deixa de contemplar informações básicas mostra que farmacoepidemiologistas e profissionais de ciência da informação têm o desafio de buscar novos métodos para analisar relatórios inadequados em ambiente de bigdata.

Temos um desafio enorme com a entrada dos biossimilares e a farmacovigilância será uma ferramenta fundamental para monitorar a qualidade dos medicamentos, com impacto na saúde e no desfecho dos pacientes.

Os biossimilares são definidos farmacologicamente como cópias autorizadas de “moléculas complexas”. Diferentemente dos medicamentos genéricos, cuja intercambialidade está definida em Lei baseada em critérios de bioequivalência e biodisponibilidade, para os medicamentos biossimilares os critérios consideram a intercambialidade, podendo envolver substituição automática e extrapolação de indicações. Como não há obrigatoriedade de realizar estudos para estes dois últimos procedimentos, a vigilância pós-comercialização será ferramenta fundamental nesse processo de acompanhamento, para gerar informações de segurança que certamente serão usadas nas tomadas de decisões sobre os procedimentos listados acima. Porém, com a baixa qualidade das informações inseridas nas notificações de farmacovigilância, essa tarefa se tornará cada vez mais difícil. Cabe considerar ainda a carga de preconceito em relação a esses medicamentos, o que pode gerar informações inconclusivas sobre suspeita de falhas terapêuticas.

Muito se discute no Brasil sobre a responsabilidade da intercambialidade e medicamentos biossimilares, principalmente nos tratamentos oncológicos. Ainda não há uma diretriz oficial. Para os medicamentos genéricos, o farmacêutico está autorizado a fazê-lo, mas no caso dos biossimilares, a Anvisa divulgou nota sugerindo que a decisão é do médico prescritor. No entanto, se considerarmos o cenário do Sistema Único de Saúde, com grandes compras, muitas delas centralizadas, a decisão sobre a intercambialidade será do Comprador, em procedimentos de aquisição de medicamentos conhecidos como “Pregões”. Acho que o mesmo critério de decisão sobre o tratamento poderá ser utilizado pelos convênios de saúde, uma vez que os medicamentos estejam aprovados pela Anvisa e disponíveis para comercialização.

*Filling quality of the reports of adverse drug reactions received at the Pharmacovigilance Centre of São Paulo (Brazil): missing information hinders the analysis of suspected associations

Adalton Ribeiro, Silvana Lima, Maria-Elisa Zampieri, Mirtes Peinado & Albert Figueras

Expert Opinion on Drug Safety

(http://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/14740338.2017.1369525)

DOI: 10.1080/14740338.2017.1369525

Referências:

1. Pan-American Health Organization. Good pharmacovigilance practices for the Americas. PAHRF network, technical document Nr 5. Washington (DC): PAHO; 2011.

2. Krumholz H, Ross JS, Pressler AH, et al. What have we learnt from Vioxx? Br Med J. 2007;334:120–123.

3. Tandon VR, Mahajan V, Khajuria V, et al. Under-reporting of adverse drug reactions: a challenge for Pharmacovigilance in India. Indian J Pharmacol. 2015;47:65–71.

4. Sánchez-Sánchez B, Altagracia-Martinez M, Kravzov-Jinich J, et al. Evaluation of completeness of suspected adverse drug reaction reports submitted to Mexican National Pharmacovigilance Centre. Drug Saf. 2012;35:837–844. • The authors classified the completeness of reports and reached conclusions similar to those reached by the present study in Mexico and using data from 2007 and 2008.

5. Doherty MJ. Algorithms for assessing the probability of an adverse drug reaction. Respir Med CME. 2009;2:63–67.

6. Bergvall T, Nóren GN, Lindquist M. VigiGrade: a tool to identify well-documented individual case reports and highlight systematic data qualify issues. Drug Saf. 2014;37:65–77. •• An essential paper that highlights the importance of documentation of individual case-reports and provides a tool to classify them.

7. Plessis L, Gómez A, García N, et al. Lack of essential information in spontaneous reports of adverse drug reactions in Catalonia - a restraint to the potentiality for signal detection. Eu J Clin Pharmacol. 2017;73:751–758. DOI:10.1007/s00228-017-2223-5 • A similar study carried out in the Spanish System of Pharmacovigilance that reached similar results to the present one.

8. ANVISA. Pharmacovigilance regulations for marketing authorization holders of medical drugs for human use. (Resolução RDC No. 4, de 10 de fevereiro 2009). [cited 2017 Jun 28]. Available from: http://portal.anvisa.gov.br/documents/33880/2568070/res0004_ 10_02_2009.pdf/05f05642-1cae-4a60-9485-5ff63cfb22af

9. Kelly WN, Arellano FM, Barnes J, et al. Guidelines for submitting adverse event reports for publication. Pharmacoepidemiol and Drug Saf. 2007;16:581–587. • An interesting paper containing guidelines to publish individual case-reports. Those guidelines could be extrapolated to good reporting practices for pharmacovigilance centers.

10. Théophile H, André M, Arimone Y, et al. An updated method improved the assessment of adverse drug reaction in routine pharmacovigilance. J Clin Epidemiol. 2012;65:1069–1077. • An example of a logistic method to be used in routine pharmacovigilance.

11. Meyboom RHB, Hekster YA, Egberts ACG, et al. Causal or casual? The role of causality in pharmacovigilance. Drug Saf. 1997;17:374– 389. •• A classical paper discussing on causality assessment and its difficulties.

12. Naranjo CA, Busto U, Sellers EM, et al. A method for estimating the probability of adverse drug reactions. Clin Pharmacol Ther. 1981;30:239–245. •• A classical paper describing one of the most used algorithms in pharmacovigilance.

13. Tuccori M, Giustarini G, Blandizzi C, et al. Quality of adverse drug reaction (QADRA) reports: an algorithm to appraise the efficiency of spontaneous reporting systems in pharmacovigilance. J Public Health. 2013;21:365–372. • Study describing the QADRA method, an algorithm to assess other aspects of ‘quality’ of the reports (causality, notoriety, or clinical relevance) in addition to completeness.

14. Varallo FR, Planeta CS, Herdeiro MT, et al. Imputation of adverse drug reactions: causality assessment in hospitals. PLoS One. 2017;12:e0171470.

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